Domingo, 02 de novembro de 2025
Evangelho (Lc 12, 35-40)
Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito;
quem acredita nele tem a vida eterna.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 12, 35-40)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade eu vos digo: Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá. E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar! Mas ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes".
Neste fim de semana, 1º e 2 de novembro, a Igreja celebra duas festas litúrgicas que nos convidam a meditar sobre o mistério da comunhão dos santos: a Solenidade de Todos os Santos, quando fazemos memória daqueles que já estão contemplando a Deus face a face; e a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, quando recordamos os irmãos falecidos que já estão salvos, mas ainda não estão no Céu, e rezamos para que o tempo deles no Purgatório seja abreviado. Em ambas as festas, celebramos o mistério de que a Igreja é um só corpo, uma só família. Eis o mistério da comunhão dos santos.
O Catecismo da Igreja Católica, ao explicar o mistério da comunhão dos santos, a partir do número 946, apresenta vários textos da Constituição Dogmática “Lumen Gentium” para nos ajudar a entender esse mistério numa linguagem mais próxima à do homem moderno. Um dos trechos diz assim:
Até que o Senhor venha em sua majestade, acompanhado de todos os seus anjos, e, destruída
a morte, todas as coisas lhe sejam plenamente submetidas, alguns de seus discípulos continuam
a peregrinar sobre a Terra; outros, tendo concluído esta vida, passam pelo processo de purificação;
e outros, enfim, já são glorificados, contemplando claramente o próprio Deus uno e trino tal como
Ele é.
Nesse parágrafo, a “Lumen Gentium” sintetiza a doutrina da comunhão dos santos expressa nos três estados da Igreja: a peregrina, nós que vivemos neste mundo; a padecente, os fiéis que estão se purificando no Purgatório; e a triunfante, os santos no Céu. E podemos entender esse mistério da comunhão dos santos olhando para a analogia do nosso próprio corpo: nossa alma une funcionalmente todos os membros do nosso corpo, assim como o Espírito Santo nos une no Corpo Místico de Cristo, que é a sua Igreja — e isso de tal forma que todos temos parte nos tesouros da Igreja.
Em primeiro lugar, meditemos a respeito do mistério que celebramos na Solenidade de Todos os Santos. Infelizmente, as pessoas estão perdendo a noção do que é um santo, e o melhor exemplo disso é que não conseguem distinguir um santo de um salvo. Ora, quem está no Purgatório já está salvo, mas não no sentido pleno da palavra, porque ainda não contempla a Deus face a face.
Uma pessoa falecida não está ou no Céu ou no Inferno. Existe uma terceira alternativa: ela pode estar salva, mas ainda não ter ido para o Céu, porque está se purificando no Purgatório. Por isso, quando o Papa canoniza alguém, ele está declarando basicamente um destas duas coisas: i) que aquela pessoa já deixou de pagar as suas penas no Purgatório e agora está no Céu; ii) ou que ela, no seu tempo aqui neste mundo, alcançou um tal grau de santidade e de heroicidade nas virtudes, que praticamente foi direto para o Céu. É claro que não podemos ter certeza absoluta de que um santo canonizado tenha ido direto para o Céu, sem passar por algum Purgatório; mas os santos de moradas superiores — para usar uma linguagem de Santa Teresa d’Ávila —, ao morrer, certamente vão direto para o Céu, visto que já se purificaram nesta vida.
Aqui, existe um abismo entre nós católicos e os protestantes. Isso porque um dos pilares da fé católica é que, com a ajuda da graça, mas também por esforço próprio — pois somos chamados a colaborar com Deus —, podemos alcançar tal grau de santidade nesta vida a ponto de, com São Paulo, declararmos: “Vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim” (Gl 2, 20). Estes são aqueles que, ainda nesta vida, alcançaram a purificação espiritual e a perfeição interior, configurando-se a Cristo de forma extraordinária e admirável. Desse modo, a presença viva de Cristo na sua Igreja se dá de forma maravilhosa nos seus santos. Para usarmos as palavras de Santo Irineu de Lião, no seu “Adversus Haereses”: “Gloria Dei homo vivens” [2], ou seja, a glória de Deus é o homem vivente, o santo, aquele que vive plenamente em Cristo.
Portanto, nós católicos cremos que a santidade pode ser vivida aqui neste mundo, e que, ao morrer, os santos vão direto para o Céu — ou quase direto, caso precisem passar pelo Purgatório. Mas isso não é tudo, pois uma vez diante de Deus, os santos podem interceder por nós. Já os protestantes afirmam que a intercessão dos santos é absolutamente desnecessária. Sim, de fato, o Senhor não precisa da intercessão dos seus santos, mas aqui está a diferença: Deus quer tal intercessão. Ora, mesmo não precisando dos nossos pais para nos trazer à existência, o Criador quis que nascêssemos da união de um homem e de uma mulher. Porque Ele nos ama, quer que participemos da beleza do seu amor. E somos amados por Deus quando Ele, por exemplo, envia o seu anjo em nosso auxílio, ou atende ao pedido dos nossos santos de devoção, que estão intercedendo por nós diante d’Ele. Nenhum protestante nega que exista uma comunhão entre os fiéis vivos aqui na terra. Vemos, por exemplo, a libertação concedida por Deus a São Pedro, que estava na prisão. O Senhor atendeu a intercessão da comunidade cristã que rezava pelo Apóstolo e enviou um anjo para milagrosamente libertar Pedro do cárcere. Temos aqui um grande exemplo dos benefícios da oração da Igreja. Sim, Cristo é o único mediador entre Deus e o homem, mas — eis o ponto — o Cristo total é o mediador, isto é, seu Corpo místico inteiro, que é a Igreja militante, padecente e triunfante.
Uma vez que tenhamos admitido a realidade da mediação da Igreja viva neste mundo e a mediação dos anjos no Céu, por que duvidaríamos da mediação dos fiéis falecidos? De fato, eles estão mortos, mas, como nos lembra as Escrituras, “quem nos separará do amor de Cristo? Nem a morte, nem a espada, nem a dor, nem a fome, nem a perseguição, nada vai nos separar do amor de Cristo” (Rm 8, 35-39). Ora, depois de mortos, não somos excomungados do Corpo de Cristo. Dessa forma, nossos irmãos falecidos que estão contemplando a Deus face a face, podem interceder por nós. E o Senhor se compraz em atender a oração deles, porque gostamos de atender aos pedidos daqueles que amamos — e que nos amam. Então, o grau de amor com o qual a Virgem Maria e os outros santos amaram a Jesus é tal que lhes confere um título especial, e que também os faz interceder por nós de forma singular.
Evidentemente, Martinho Lutero e os seus discípulos protestantes não aceitam que alguém possa merecer ser atendido por Deus, por conta do amor que teve, porque eles negam completamente a simples possibilidade do mérito. Eles dizem que “tudo é graça”. Sim, isso é verdade, inclusive a graça de merecer, ou seja, de poder amar a Deus de forma real. Ora, o que dá valor meritório a uma determinada obra só pode ser o amor. E se nós somos realmente capazes de amar a Deus, então também somos capazes de merecer. E como nós amamos? Ora, só pode ser por meio da graça, pois uma vez que nos abrimos à graça de Deus, Ele mesmo nos capacita a amá-lo. Assim, os santos que muito amaram a Deus neste mundo agora contemplam ao Senhor na visão beatífica; Ele vê o grande amor em seus corações e, por esse mérito, atende-lhes as preces.
Mas não existem apenas os santos que já estão diante de Deus no Céu; temos também os fiéis falecidos que já estão salvos, mas ainda não alcançaram a Bem-aventurança eterna. Infelizmente, nos últimos tempos, a Igreja Católica passou a ser influenciada pela moda de copiar a teologia protestante, em nome de um suposto ecumenismo. Foi isso que, por exemplo, tornou a doutrina do Purgatório politicamente incorreta, considerada reflexo do antiquado pensamento medieval. Esse pensamento herético tem ganhado espaço na Igreja porque falar sobre o Purgatório nos separa cada vez mais dos protestantes. A verdade, porém, é a seguinte: o Purgatório faz parte do depósito da fé, é um dogma de fé da Igreja de dois mil anos.
E é evidente que essa realidade dogmática foi crescendo na consciência da Igreja ao longo dos séculos. Os cristãos das catacumbas, por exemplo, já rezavam pelos mortos. Mas não porque acreditassem que eles recebessem outra chance para a salvação depois de mortos, e sim porque sabiam que os salvos poderiam ter seu tempo no Purgatório abreviado. De fato, cremos que depois da morte não há segunda chance. Portanto, assim como o bom ladrão, temos até o último instante para nos convertermos.
Então, nós católicos rezamos pelos mortos não para que eles se salvem, mas, sim, para que a sua permanência no Purgatório seja abreviada. Isso porque é sabido que nem todas as pessoas morrem amando a Deus com todo o coração, toda a alma e todo o entendimento. Basta olharmos para dentro de nós mesmos: geralmente, amamos a Deus, mas ao mesmo tempo carregamos idolatrias e vaidades em nosso coração. Ou seja, ainda não temos um coração totalmente purificado. Sim, amamos ao Senhor, mas nosso coração é um verdadeiro campo de batalha. Embora todos sejamos chamados à santidade, precisamos admitir que, neste mundo, os santos são bastante raros, pois não somos generosos com Ele e não o amamos como deveríamos.
Quando alguém morre em estado de graça, isso não significa que foi para o Céu imediatamente, pois não pode entrar no Céu sem estar profundamente configurado a Cristo. A teologia luterana, porém, diverge mais uma vez da nossa fé católica, porque afirma que a fé é, na verdade, uma espécie de máscara, ou véu, que cobre o fato de o homem ser ontologicamente pecador. Ou seja, eles acreditam que, mesmo perversos e desordenados, entraremos no Céu “disfarçados”. Mas essa visão protestante é absolutamente inadequada, pois se entrássemos no Céu com o núcleo do nosso ser desordenado, a Bem-aventurança seria na verdade uma tortura eterna.
Cremos assim que, embora uma pessoa tenha morrido em estado de graça, se não conseguiu amar a Deus plenamente neste mundo, precisará passar por um período de purificação. É aí que entra o Purgatório. E a maior parte dos católicos que morrem não vai diretamente para o Céu e, por isso, precisam das nossas orações. Daí rezarmos na intenção de sufragar as almas dos fiéis defuntos.
Portanto, é nesse espírito de comunhão que celebramos a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos. Eis uma preciosa oportunidade para exercermos a caridade de sufragar a alma dos nossos irmãos falecidos.
Ouça a homilia do Padre Paulo Ricardo para este 23º Domingo do Tempo Comum, onde Ele lhes fala do conteúdo central deste Evangelho: precisamos amar mais a Deus do que a este mundo.
Fonte:
Christo Nihil Præponere
“A nada dar mais valor do que a Cristo”
padrepauloricardo.org/ ((https://encurtador.com.br/DxPPZ)) 04079(442)