É preciso vencer a soberba


É preciso vencer a soberba

Os humildes têm em Cristo a sua vitória



Tradição da Igreja nos ensina que ela é a raiz de todos os males, pois nos afasta da graça de Deus. Desse modo, na base do nosso edifício espiritual, nós temos a humildade e a fé, que se opõem à soberba

— se não fosse assim, o edifício não permaneceria de pé.

Neste 25.º Domingo do Tempo Comum, a Igreja proclama o Evangelho de São Marcos (9, 30-37),
no qual Nosso Senhor quer nos ensinar sobre a humildade. Antes, porém, é preciso apresentar o contexto, para que fique claro o cerne do ensinamento de Jesus acerca dessa virtude fundamental para a vida cristã.

No Evangelho do último domingo, Pedro faz a sua profissão de fé, e Jesus promete a ele o primado dos Apóstolos, quando diz: "Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18). Logo em seguida, apesar de Jesus repreender Pedro, chamando-o de Satanás, nota-se que ele realmente recebe algo especial. Além disso, depois dessas coisas, Cristo sobe ao Monte Tabor acompanhado de Pedro, Tiago e João — os três, entre os Doze, pelos quais Jesus realmente tinha preferência.

Diante desse contexto, é iniciada uma disputa entre os Apóstolos, que começam a questionar quem seria o maior entre eles. O Evangelho nos mostra também que aqueles que estão ali com Nosso Senhor são um grupo privilegiado, restrito, ao qual Cristo quer instituir:

"Naquele tempo, Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, pois estava ensinando a seus discípulos" — São Marcos 9, 30-31

Imaginemos então, : há uma verdadeira multidão desejosa de estar com Jesus, mas Ele está com os Doze e quer ensiná-los privadamente. E aqui surge o problema: os Doze Apóstolos começaram a ser tomados pela soberba, sentindo-se superiores aos demais discípulos.

O pecado, desordem ou tendência para a soberba — que é pecado capital e também uma doença espiritual — é caracterizado precisamente por isto: nós olhamos para o outro e nos consideramos superiores.

Com efeito, esse foi o pecado que ocasionou a queda de Lúcifer, que, embora fosse superior a todos os outros anjos em dons recebidos, desejou ser exaltado acima dos outros anjos, e, por isso, voltou as costas para Deus. Da mesma forma, entre os homens, a soberba está na raiz de todos os pecados capitais.

Muitas vezes, nós subestimamos esse pecado. Quando encontramos alguém orgulhoso, tendemos a relativizar o problema, considerando a soberba uma falha menor. No entanto, a Tradição da Igreja nos ensina que ela é a raiz de todos os males, pois nos afasta da graça de Deus. Desse modo, na base do nosso edifício espiritual, nós temos a humildade e a , que se opõem à soberba — se não fosse assim, o edifício não permaneceria de pé.

Nesse ponto, é importante retornar à narrativa do Evangelho. Nosso Senhor está com os seus Doze Apóstolos em um lugar especial para ensiná-los, quando então chegam a Cafarnaum e, no caminho, eles discutem sobre quem seria o maior entre eles. Isto é, aqueles homens ainda não haviam compreendido o verdadeiro sentido do privilégio que receberam e, consequentemente, da missão que lhes fora confiada.

Mas se eles, verdadeiramente, querem receber a graça de Deus, precisam fazer-se pequeninos. Por isso, quando Jesus está na presença dos Doze, Ele faz vir uma criança, e, à vista deles, abraça-a. São Beda, o Venerável, explica essa atitude dizendo que Jesus está abraçando essa criança para mostrar que, se você quiser ser abraçado por Ele, precisa ser humilde e pequenino como uma criança.

Esse Evangelho ilumina as nossas vidas. Um dia, fomos nós que nos convertemos; levávamos, talvez, uma vida depravada, afastados da Igreja, indiferentes para com Deus e assim por diante. Subitamente, porém, começamos a ser mais sensíveis para as coisas do Céu. Agora, pode ser que já tenhamos uma vida espiritual acima da média: confessamos e comungamos com uma frequência maior do que a das outras pessoas, temos vida íntima de oração etc.

Porém, o que aconteceu foi o seguinte: nos passos iniciais da nossa conversão, quando estávamos rezando bem, Nosso Senhor nos visitava com frequência, abraçando-nos como à criança do Evangelho. Quem dentre nós não quer receber esse abraço de Cristo? Assim como Ele abraçou aquela criança, nós fomos abraçados pela graça no início da nossa vida espiritual.

Mas surge um problema: com o tempo, nós vamos crescendo espiritualmente e, sem perceber, vamos perdendo a humildade. Isso faz com que passemos a olhar os outros com certa altivez, à semelhança daquele fariseu que olhava para o publicano da parábola, achando-se superior a ele: "Ó, Senhor, eu vos louvo, pois não sou como este publicano aqui" (cf. Lc 18, 11).

A soberba faz o homem colocar-se acima dos outros; e, assim, quando temos essa atitude, Deus pára de nos visitar. Jesus abraça as crianças, não os soberbos. Foi precisamente isso que os Apóstolos do Evangelho de hoje — que disputavam entre si — aprenderam perfeitamente.

Na Segunda Leitura, São Tiago ecoa esse ensinamento ao dizer:

De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós? Não vêm, justamente, das paixões que estão em conflito dentro de vós? Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir. E a razão está em que não pedis. Pedis, sim, mas não recebeis, porque pedis mal. Pois só quereis esbanjar o pedido nos vossos prazeres. — São Tiago 4, 1-3

Ele continua dizendo que Deus "resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes" (Tg 4, 6b). Os Apóstolos, que buscavam privilégios e primazia, precisavam entender que só alcançariam a verdadeira graça divina se abandonassem a soberba.

A verdade é bastante simples: Deus resiste àqueles que são soberbos. Ele não abraça os altivos, os arrogantes. Essas coisas nos fazem perder o aconchego do abraço de Jesus.

"Ele resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes". Esse versículo de São Tiago é uma citação direta do livro de Provérbios, capítulo 3, versículo 34. Essa frase tornou-se uma lição tão impactante para os Apóstolos, que também é citada em outras passagens da Sagrada Escritura — inclusive por São Pedro, em sua Primeira Carta (5, 4): "Quando aparecer o Supremo Pastor, recebereis a coroa imperecível de glória".

O primeiro Papa, Pastor da Igreja, está dizendo que há um Supremo Pastor maior do que ele, e acrescenta: "Semelhantemente, vós outros que sois mais jovens, sede submissos aos anciãos; todos vós, em vosso mútuo tratamento, revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes". Os anciãos aqui são os presbíteros e, no geral, essa é a mesma ideia de humildade que está na Carta de São Tiago.

Justamente os Apóstolos que foram privilegiados por Jesus acabaram aprendendo que tinham de se humilhar, caso contrário perderiam tudo:

Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no tempo oportuno. Lançai sobre Ele as vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigiai, porque o vosso adversário, o diabo, rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar. Resisti-lhe, firmes na fé. Vós sabeis que os vossos irmãos que estão espalhados pelo mundo sofrem os mesmos padecimentos que vós. O Deus de toda a graça que vos chamou em Cristo, à sua glória eterna, depois que tiverdes padecido um pouco, vos aperfeiçoará e vos tornará inabaláveis, vos fortificará. A Ele o poder na eternidade. Amém. — 1 São Pedro 5, 6-11

Vamos concluir esta nossa reflexão meditando alguns pontos específicos desse trecho da Primeira Carta de São Pedro. Precisamos entender que Deus age em nossas vidas; mas aqui, de modo específico, São Pedro está falando muito claramente da mão de Deus que permite as provações, inclusive os castigos que assolam a Igreja.

Ele está escrevendo para uma comunidade que está sendo perseguida, como na primeira grande perseguição dos cristãos perpetrada pelo imperador Nero. Temos de entender que, enquanto escrevia sua carta, São Pedro estava aguardando para ser crucificado no circo de Nero.

Ele tem o discernimento de que estamos numa batalha espiritual e sabe que o grande adversário dos cristãos não é o cruel Nero, mas o demônio, que "rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar". E por quê? Ora, porque se os cristãos reagissem ao imperador romano com soberba, estariam sendo derrotados pelo diabo.

Se nós temos um adversário iníquo, alguém que está fazendo coisas pecaminosas contra nós; não podemos ceder ao ímpeto de nos vingar. Podemos achar que, com isso, vencemos; mas, na verdade, somos derrotados, porque é isso que o diabo quer. Então, devemos recordar: "Não é contra a carne e contra o sangue que nós lutamos, mas contra os espíritos malignos espalhados nos ares" (Ef 6, 12).

A Cruz é o símbolo máximo da humilhação de Cristo, e, se quisermos segui-lo, devemos abraçar essa humildade em nossa vida. Como Jesus disse, o Reino dos Céus é daqueles que se tornam como crianças.

A vitória espiritual só é possível para aqueles que vivem a humildade, resistindo ao demônio unidos à Virgem Maria, aos anjos e santos na luta contra o mal. Deus dá a vitória àqueles que, imitando a humildade de Cristo, se submetem à sua vontade e confiam em sua providência.

Há muitos que se consideram conservadores, tradicionais, católicos autênticos, mas que têm uma língua bifurcada; que têm duplas atitudes. A esses que fazem o jogo do demônio, São Tiago aconselha:

Reconhecei a vossa miséria. Afligi-vos e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto e a vossa alegria em tristeza. Humilhai-vos na presença de Deus e Ele vos exaltará.— São Tiago 4, 9-10

Nosso Senhor está nos ensinando neste domingo que só temos um caminho: a Cruz, onde se concretiza a humilhação.

No Evangelho de hoje, os Apóstolos ainda não estão prontos para entender o caminho da Cruz, mas nós precisamos aprender. E como, afinal, aprenderemos? Temos de viver como crianças para sermos abraçados por Deus; porque, a propósito, o Reino dos Céus é daqueles que tiverem o coração de uma criança.

"Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no tempo oportuno. Lançai sobre Ele as vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós". Assim, vivendo a virtude da humildade, iremos resistir ao diabo. E Deus dará a vitória àqueles que são humildes. Desse modo, estaremos unidos à Virgem Maria, aos santos anjos e a São Miguel Arcanjo, imitando-os na humildade, que é a condição necessária para a vitória de Deus em nossas vidas.

Deus abençoe a sua semana!




Equipe Christo Nihil Præponere
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