Dê a Jesus seus cinco pães e dois peixes
Dê a Jesus seus cinco pães e dois peixes
Lições espirituais do milagre da multiplicação
Neste 17.º Domingo do Tempo Comum, iniciamos a leitura do capítulo 6 do Evangelho de São João (v. 1-15), que será lido ao longo dos próximos domingos. Nele, São João fala da Eucaristia, do Santíssimo Corpo de Cristo.
Os outros três evangelistas, sobre a Última Ceia, narram o seguinte: "Jesus, na Última Ceia, tomou o pão, deu graças, partiu, deu aos seus discípulos e disse: ‘Tomai todos e comei’" (cf. Lc 22, 19s; Mt 26, 26; Mc 14, 22). São João, porém, não narra assim.
Durante a leitura do Evangelho de São João, impressiona que ele, mais do que os outros, gasta um tempo enorme para falar sobre a Última Ceia, cujo relato se encontra nos capítulos 14, 15, 16 e 17. Por que ele utiliza quatro capítulos para a Última Ceia? Primeiro, é importante entendermos a estrutura desse livro sagrado.
São João apresenta a vida pública de Nosso Senhor em três anos. Sabemos disso porque ele narra três Páscoas: a primeira, quando Cristo vai a Jerusalém e purifica o Templo; a segunda, quando ocorre a multiplicação dos pães; e a terceira é quando Nosso Senhor padece a sua Paixão. Três Páscoas, três anos de vida pública, durante os quais Cristo pregou o Evangelho.
Os outros evangelistas resumem a vida pública de Jesus em um único ano, como se Ele tivesse começado a pregar na Galileia e depois subido para Jerusalém, onde foi crucificado durante a Páscoa. São João, no entanto, gasta mais tempo em sua narrativa a fim de que possamos nos dedicar mais à meditação dessas verdades. E aqui está a importância do capítulo 6, que lemos hoje: Nosso Senhor fala sobre a Eucaristia — mas fora do contexto da Última Ceia.
Para entendermos melhor o que São João está narrando e enxergarmos com mais nitidez a realidade da Santa Missa, temos de perceber que o desenvolvimento deste capítulo 6 está como que seguindo o roteiro do Salmo 23 (22), que é bastante conhecido:
O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma. Pelos prados e campinas verdejantes, Ele me leva a descansar.
— Salmos 23, 1-2
Pois bem, esse salmo do pastor que nos conduz é o esquema aproximado deste capítulo 6 do Evangelho de São João. No domingo passado, vimos que Nosso Senhor olhou para o povo e viu que eles eram como ovelhas sem pastor, e teve compaixão daquela multidão. Isso porque, no Antigo Testamento, Deus tinha concedido pastores ao seu povo, como o rei Saul.
Contudo, os pastores traíram as suas próprias ovelhas. Quando Golias desafiou os israelitas, Saul, cheio de medo, esperava que alguém resolvesse o problema. O pequeno Davi ofereceu-se para enfrentar o inimigo. Ele nem sequer cabia na armadura do rei, mas, como um bom pastor, foi combater o lobo que oprimia Israel. Golias caiu com a pedra de Davi cravada em sua testa.
Como o pequeno Davi realizou tamanha proeza? Na sua pequenez, ele confiou em Deus. E é esse mesmo Davi que compõe o Salmo: "O Senhor é o pastor que me conduz, não me falta coisa alguma". Mas como? Golias era um guerreiro forte e destemido, com espada, elmo e couraça. E Davi era um menino fraco, magrelo, ruivo, com um simples estilingue e pedrinhas. Porém, não lhe falta coisa alguma, pois Deus estava com ele. É essa confiança em Deus no momento em que aparentemente tudo está perdido a chave de leitura deste capítulo 6 do Evangelho de São João.
A primeira coisa que Nosso Senhor fez foi a multiplicação dos pães. Ele viu a multidão que o seguia e perguntou: "Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?" (Jo 6, 5), ou seja, estava dizendo: "Eu sou o Pastor, eu preciso dar de comer às ovelhas". Então, Ele ordenou às pessoas que se sentassem na relva. O paralelo com o Salmo 23 é claro: "Pelos prados e campinas verdejantes, Ele me leva a descansar". Temos aqui a mesma imagem: um pastor que dá de comer às suas ovelhas em campinas verdejantes.
E então, depois da multiplicação dos pães, o povo decide proclamar Jesus como rei — assim como fizeram com Davi. No entanto, Jesus sobe à montanha para rezar, e ordena aos seus discípulos que atravessem o lago. É Páscoa — não podemos nos esquecer —, e o que aconteceu na primeira Páscoa? Deus preparou uma refeição para os israelistas, deu-lhes o Cordeiro pascal e, depois, os conduziu para que saíssem do Egito, libertos da escravidão, e atravessassem o Mar Vermelho.
Ele nos dá não só o alimento, o Cordeiro Pascal, mas também o livramento — a libertação da escravidão do faraó e do vale da sombra da morte. Um bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas; enfrenta o lobo, como Davi enfrentou Golias, e como Jesus derrotou Satanás, vencendo a morte. E então, temos a terceira parte do Salmo, que diz:
"Preparais à minha frente uma mesa [...] felicidade e todo bem hão de seguir-me por toda a minha vida pelos tempos infinitos"
— Salmos 23, 5-6
Essa é a entrada do povo de Deus na Terra Prometida, e a entrada da Igreja no Tempo dos Sacramentos. Após o Batismo, quando somos libertados do domínio de Satanás e do pecado, vem a Eucaristia, a mesa farta preparada pelo pastor, na terra onde corre leite e mel.
E aqui, Nosso Senhor fala-nos sobre o Pão da Vida:
"Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida"
— São João 6, 54-55
"Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede"
— São João 6, 35
É importante, porém, nós nos determos nesta primeira passagem do Capítulo 6 do Evangelho de São João, que a Igreja proclama neste domingo: a multiplicação dos pães.
Em primeiro lugar, vemos Jesus a observar aquele povo que saiu atrás dele. Ele havia ensinado àquela multidão, dando-lhes o pão da Palavra. Cristo olha para aquelas pessoas com compaixão, vê a necessidade delas e pergunta: "Onde vamos comprar o pão para que eles possam comer?"
O Evangelho mostra que Nosso Senhor, bondoso, preocupa-se conosco. Nós nos convertemos, começamos a seguir Jesus e fazer parte da Igreja, mas as necessidades da vida aparecem — fome e sede no meio do deserto. Alguns podem pensar: "Está muito bom aqui; mas é preciso cuidar da minha vida, fazer alguma coisa, porque não dá para viver de Igreja". Mas devemos lembrar o que diz a Escritura: "Lançai sobre o Senhor as vossas preocupações; Ele tem cuidado de vós" (1Pe 5, 7).
Eis o principal aspecto dessa realidade que temos de compreender: Jesus é nosso amigo e conhece-nos muito melhor do que nós mesmos. Ele vê a nossa luta, as nossas angústias e dificuldades. Ele olha para nós e pergunta: "Onde vamos comprar o pão para que eles possam comer?"
Essa pergunta de Nosso Senhor é para nos pôr à prova — como Satanás fez com Jesus no deserto. Cristo estava sem ter o que comer, e o diabo, a fim de provar Jesus, mostrou-lhe pedras e sugeriu que Ele as transformasse em pão. Isso foi uma tentação. Satanás tenta-nos para nos levar ao Inferno; já Deus coloca-nos à prova para fazer crescer a nossa fé.
Jesus pergunta onde comprar pão para provar os discípulos, que se veem diante de uma limitação humana, uma dificuldade matemática. Filipe dá uma resposta clara:
"Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um"
— São João 6, 7
Duzentas moedas de prata, na época, equivaliam ao salário de duzentos dias de trabalho braçal. Por isso, é como se os discípulos estivessem dizendo que não ia dar certo. Então André apresentou um menino que trazia consigo cinco pães e dois peixes — o que, matematicamente, ainda não resolvia o problema. Jesus então ordenou às pessoas que se sentassem na relva, e aconteceu aquilo que nos remete claramente à Eucaristia:
Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu aos que estavam sentados
— São João 6, 11
Veja, , que esse trecho soa como aquelas palavras da Consagração na Missa — e então todos comeram em abundância.
Essa passagem do Evangelho ensina-nos que Nosso Senhor quer nos pôr à prova para ver até onde vai nossa confiança nele, sobretudo nos momentos de grande dificuldade. Jesus quer nos ajudar a resolver o problema, mas nós temos de fazer alguma coisa: entregar os cinco pães e os dois peixes e esperar que Ele faça algo. Se nós não fizermos coisa alguma, Jesus não vai resolver o problema. É imperativo agir.
Contudo, sabemos que nossa ação não é suficiente para resolver o problema; há, de fato, uma desproporção entre a nossa capacidade e a dificuldade enfrentada. Mas se nós não entregarmos nosso pouco, não haverá multiplicação, não haverá milagre.
Diante de um problema insolúvel, a maioria das pessoas pensa: "É gente demais para comer, e o alimento é pouco". Mas Jesus pede apenas que façamos a parte que nos cabe, pois a graça fará o resto.
A bem da verdade, sozinhos, nós não temos forças para resolver problema algum. Não conseguimos perdoar nem amar, não conseguimos ser castos, nem confiar em Deus plenamente. Somos incapazes de superar as nossas dificuldades espirituais, mas Jesus pede que façamos o que nos é possível fazer; o restante, Ele se encarrega de completar com sua graça.
Aqui não há proporção entre causa e efeito; fazemos pouco, um ato singelo, e vemos isso transformar-se em uma coisa grandiosa em nosso coração. Basta rezar uma Ave-Maria, fazer um gesto de generosidade e, subitamente, acontece uma enorme transformação interior. Essa é a multiplicação dos pães.
, Cristo vê a nossa miséria e se compadece de nós, que somos como ovelhas sem pastor; Ele quer a nossa confiança. Portanto, confiemos no Senhor, que multiplicará o nosso pouco e nos dará a sua graça.
Deus abençoe a sua semana!
Fonte:
Christo Nihil Præponere
padrepauloricardo.org