O que significa dizer: "quem ama está livre da Lei?"
"Não devam nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama ao seu próximo cumpriu a lei" Romanos 13:8:
Neste 22º Domingo do Tempo Comum, lemos o início do capítulo 7 do Evangelho de São Marcos, onde Nosso Senhor se envolve em uma controvérsia com os fariseus e mestres da Lei que vieram de Jerusalém. Eles ficaram incomodados com a forma diferente como Jesus, que vinha da pequena Nazaré, ensinava na Galileia.
Ao fazer suas pregações e realizar milagres, Nosso Senhor começou a chamar a atenção e atrair as multidões. Dessa forma, era evidente que os oficiais políticos e religiosos da região começariam a ficar incomodados, pois notaram que esse "rabi" não ensinava como os fariseus ensinavam.
À época de Jesus, em Israel, havia diversos preceitos que precisavam ser seguidos. São Marcos — que escreveu às pessoas que não entendiam da cultura judaica — explica o seguinte:
Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. — São Marcos 7, 3-4
Esta nota cultural serve para que saibamos onde está a divergência em relação à atitude de Jesus. Nosso Senhor olha para os fariseus e repreende-os, usando as palavras do profeta Isaías:
"Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim." — Isaías 29, 13
Jesus destaca que a Lei e seus preceitos têm um objetivo: mudar o coração do povo. E é isso que Deus quer fazer também hoje conosco: mudar o nosso coração.
A verdadeira educação, como um bom pai ou mãe proporciona ao filho, é aquela que o transforma internamente, para que o comportamento correto se mantenha mesmo sem vigilância. Da mesma forma, Deus deseja que as suas leis sejam internalizadas, transformando nosso coração.
Por exemplo, se alguém disser: "Você está proibido de matar a sua mãe". É evidente que esse Mandamento é válido, pois consta entre os Dez Mandamentos, mais especificamente no 4º e no 5º: "Honrar pai e mãe" e "Não matar". Evidentemente, você, que ama sua mãe, jamais cogitou a hipótese de matá-la!
Mas por qual motivo? Ora, porque você a ama, ; e quem ama está livre da Lei.
O Criador nos dá leis, e em nós tem início o processo pedagógico natural às crianças. Deus nos dá leis externas; porém, Ele quer a interiorização dessas leis, quer que o nosso coração seja transformado. É isso o que Nosso Senhor diz, por exemplo, no Sermão da Montanha:
"Ouvistes o que foi dito: ‘Não matarás’. Mas quem disser para o seu irmão, ‘tolo’, ‘idiota’, ‘imbecil’, já será réu do julgamento" — São Mateus 5, 21-22
Isto é, aqui houve uma interiorização do preceito. Nosso Senhor nos faz perceber que, antes de matarmos alguém fisicamente, nós já o matamos no coração. E Ele continua explicando:
"Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu porém vos digo: quem olhar para uma mulher e desejá-la no seu coração, já cometeu adultério com ela." — São Mateus 5, 27-28
Eis a realidade da interiorização. Vemos claramente que não se trata só de não ter relações sexuais com outra mulher, mas de você amar tão verdadeiramente a sua esposa, que até mesmo o fato de olhar para outra mulher já será uma agressão para você. Esta é a beleza: a Lei de Deus vai, gradativamente, tornando-nos livres, pois a obediência à Lei transforma o nosso coração, tornando-nos, enfim, generosos no amor — mas tudo isso é fruto de um processo.
A generosidade não tem limites, pois a medida do amor é amar sem medidas. Era precisamente isso o que Deus queria no Antigo Testamento. E nós vemos Nosso Senhor completamente contrariado com a atitude dos fariseus e mestres da Lei, que perderam a razão de ser da mesma Lei, que não é outra coisa senão a liberdade do amor.
Mas quando essa liberdade será realmente plena? Quando estivermos no Céu. Os santos são incapazes de pecar. No Céu, os santos são plenamente livres, pois não podem mais fazer o mal; eles só podem amar. O amor torna-nos verdadeiramente livres e generosos. Essa é a realidade que Nosso Senhor gostaria que as pessoas entendessem.
No entanto, os mestres da Lei e os fariseus não estavam entendendo. Por isso, Jesus disse: "De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos" (Mc 7, 7). Ou seja, eles pegaram os preceitos divinos, revelados no Antigo Testamento, e os transformaram em rituais humanos.
Podemos aplicar essa realidade à nossa vida atual: há, por exemplo, um preceito verdadeiramente divino, o 3º Mandamento: "Guardar domingos e festas". A Igreja, a fim de esclarecer essa forma de guardar o dia do Senhor e os dias santos, diz que devemos participar da Missa nesses dias. Assim, cabe a pergunta: o preceito dominical foi feito para quê? Ora, para mudar o nosso coração.
No entanto, se nós vamos à igreja unicamente para cumprir um rito, algo meramente exterior, se nós vamos à Missa e nada do que ouvimos nos incomoda, então há algo errado.
(A coisa pode ser pior: às vezes, o próprio pregador não está incomodando, por ter uma pregação de viés mundano, ou seja, não está pregando o Evangelho verdadeiro. Mas também pode acontecer — e acontece muitas vezes — que pregações boas, legítimas, fervorosas, não nos incomodem simplesmente porque não as queremos ouvir, porque não queremos mudar de vida.)
Ao fazer isso, nós estamos pegando um preceito divino e transformando-o em realidade meramente humana. É como se quiséssemos ficar livres de Deus.
Infelizmente, muitas pessoas que estão sentadas nos bancos das igrejas, no domingo, em nada se distinguem daquelas que levam uma vida mundana e materialista:
Fora da Igreja, as pessoas vivem à procura de dinheiro. E então, observamos o católico que vai à Missa no domingo, e percebemos que ele também só vive em busca de dinheiro.
As pessoas que estão fora da Igreja têm uma mentalidade politicamente correta, querendo agradar só aos homens — e não a Deus. E muitos católicos de Missa dominical têm essa mesma mentalidade.
No mundo, as pessoas praticam o aborto sem nenhuma preocupação; e quanto ao católico "praticante"? Talvez não tenha chegado a esse ponto, mas há abortos microscópicos, os chamados abortos ocultos, causados pelo anticoncepcional, pela pílula do dia seguinte e pelo DIU.
Mesmo assim, essas pessoas estão lá, celebrando, felizes, como se nada estivesse acontecendo. Lá fora, o mundo faz tudo isso, inclusive vasectomia e laqueadura; enquanto os católicos que vão à Missa no domingo, em sua maioria, fazem as mesmas coisas.
No mundo, as pessoas fazem sexo antes do casamento, e o católico de Missa dominical também; no mundo, as pessoas veem pornografia e praticam masturbação, e o católico também; o mundo aceita com tranquilidade a "desorientação homossexual", e o católico dentro da Igreja também.
Lamentavelmente, desse modo, nós transformamos a Lei divina em mero preceito humano. Deus queria nos arrancar do nosso egoísmo, mudar o nosso coração, mas nós não queremos ser mudados — não queremos ser incomodados.
Muitos dizem: "Padre, o senhor é muito polêmico!" Mas não, não se trata de criar polêmica. Trata-se de sermos educados para o amor! Jesus, depois de chamar os escribas e os fariseus de hipócritas, trouxe a multidão para si, pois queria instruí-la também:
"Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem." — São Marcos 7, 15.21-23
Aqui nós vemos o quanto Nosso Senhor incomoda, pois sua pregação toca na ferida. Jesus é bastante politicamente incorreto.
Ele incomoda as pessoas que estão ao seu redor, pois quer que elas mudem de vida. Cristo não quer apenas os nossos ritos externos; Ele quer que essas práticas externas, ao serem assimiladas, passem a mudar o nosso coração, inquietando-nos. Não se trata de um moralismo que esmaga, mas sim de um amor que liberta.
O mês de setembro, no Brasil, é dedicado à Bíblia. Somos convidados a criar na nossa vida o hábito de meditar a Palavra de Deus — seja diretamente por meio da leitura bíblica ou por meio de livros de meditação que tiram os seus ensinamentos da Sagrada Escritura.
É preciso assumir esse propósito de permitir que a Palavra de Deus fecunde e transforme nossa vida. Esta é, aliás, a religião que realmente agrada a Deus; esse é o culto que agrada a Deus: aquele que não é meramente prestado com os lábios, mas que começa a verdadeiramente transformar o homem interior até configurá-lo a Cristo.
Nós somos chamados a amar assim: não somente com as nossas forças, senão principalmente com a força da graça — Deus se antecipa e está em nosso coração pedindo o nosso amor.
A bem da verdade, é Deus quem acompanha tudo que fazemos; Ele torna frutífero todos os atos de amor que nós realizamos. Por isso, somos convidados a nos entregar a Ele. Não adianta disfarçar, ou querer mudar apenas o nosso comportamento externo, e manter uma desobediência interior. Seria como nos preocuparmos somente em pintar o túmulo, quando, na verdade, tudo dentro está podre, que Deus nos conceda a graça de, verdadeiramente, ouvirmos a sua Palavra, de modo que o nosso coração seja transformado, e que em todas as nossas práticas espirituais e ritos exteriores saibamos dar prioridade ao amor.
Nós, católicos, não desprezamos os rituais externos, mas sabemos que eles têm uma finalidade: transformar o nosso coração, para que, um dia no Céu, possamos amar a Deus definitivamente.
Esse é o nosso futuro, o plano de Deus para nós, e Ele pode operar tal transformação em nosso interior.
Deus abençoe a sua semana!
Equipe Christo Nihil Præponere
padrepauloricardo.org